segunda-feira, 28 de setembro de 2009
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
J. Gomes Ferreira - Devia morrer-se de outra maneira
Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite para o ritual do Grande Desfazer:
"Fulano de tal comunica a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente,
com passos de reter tempo,
fatos escuros,
olhos de lua de cerimónia,
viríamos todos assistir a despedida.
Apertos de mãos quentes.
Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco,
devagarinho,
sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes... (primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos...)
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em fumo...
tão leve...
tão subtil...
tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?)
— nesta tarde de Outono ainda tocada por um vento de lábios azuis...