quinta-feira, 24 de setembro de 2009

J. Gomes Ferreira - Devia morrer-se de outra maneira

Devia morrer-se de outra maneira.

Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.

Ou em nuvens.

Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite para o ritual do Grande Desfazer:

"Fulano de tal comunica a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas. Traje de passeio".

E então, solenemente,

com passos de reter tempo,

fatos escuros,

olhos de lua de cerimónia,

viríamos todos assistir a despedida.

Apertos de mãos quentes.

Ternura de calafrio.

"Adeus! Adeus!"

E, pouco a pouco,

devagarinho,

sem sofrimento,

numa lassidão de arrancar raízes... (primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos...)

a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em fumo...

tão leve...

tão subtil...

tão pólen...

como aquela nuvem além (vêem?)

— nesta tarde de Outono ainda tocada por um vento de lábios azuis...

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

quarta-feira, 9 de setembro de 2009